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Voltar a este rio sem regresso por causa do Trump? Não é bem assim. Tudo começou com uma perplexidade: ver uma personagem como Trump ficar na corrida presidencial americana até ao fim.
Lancei um desafio a mim própria: escolher um filme por semana no It Happens every Spring até às eleições de Novembro. Nem sempre consegui cumprir, saltei algumas semanas. Além disso, comunicar em inglês é mil vezes mais difícil para mim do que em português. Às tantas já me ouvia a falar como algumas personagens dos filmes americanos que vi ao longo dos anos...
O desafio era revelar a influência do cinema na cultura americana, os valores que se foram perdendo, a cultura do lixo a invadir tudo, a política, os media, a vida em geral.
O cinema revela mais do que parece. Através das personagens, da sua acção na comunidade e da sua interacção com outras personagens, vemos e sentimos o mal-estar, a inquietação, o desânimo, a esperança, e a construção de um futuro possível. A arte serve para revelar, sacudir e acordar.
Foi assim com a cidade do Potter em It's a Wonderful Life. A rendição de uma comunidade ao lucro como único valor a seguir, passando a ferro a dignidade, autonomia, qualidade de vida e perspectivas de futuro das pessoas.
Esse mundo paralelo só não prevaleceu porque uma personagem generosa, corajosa e determinada, George Bailey, tinha uma visão para a comunidade e persistiu até ao limite das suas forças. E depois teve um anjo a lembrar-lhe o que tinha já conseguido na sua vida.
Desta vez é um documentário que vai sair esta semana: Michael Moore na Trumpland. Promete.
As semelhanças Trump-Potter são evidentes. Mas Trump consegue ir mais longe na cultura da encenação e do entretenimento. Por isso o comparei a Nero a tocar a lira enquanto Roma ardia. Digamos que Potter é manhoso e inteligente no seu propósito e consegue ser bem sucedido nos negócios. Trump destrói com a mesma facilidade com que constrói, e aqui temos a cultura do lixo no seu esplendor, nada tem valor a não ser a sua utilidade no momento, lucro mas sobretudo a fama, nada perdura no tempo, nem o que se diz nem o que se faz, nada é para levar a sério. Tudo roda à sua volta como uma grande corte de fãs, de serviçais e figurantes que despreza. É com o mesmo desprezo que trata os empregados dos hotéis e casinos e dos empreendimentos que faliram. Essas construções monstruosas agora vazias dizem tudo sobre a personagem e a cultura do lixo. Nada fica a não ser comunidades desorientadas e desorganizadas.
Daí a perplexidade: será a sua revolta de tal dimensão (contra um sistema injusto, que se rendeu à finança e ao clã dos muito ricos e influentes e exclui a maioria dos cidadãos, que colocou famílias na rua e deixou casas desertas, que encarcerou uma fatia enorme da população sobretudo afro-americnos, etc.), que preferem render-se a esta espécie de Joker?
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